CERTIFICAÇÃO DE CULTURA DE SEGURANÇA PARA FORNECEDORES DE MANUTENÇÃO COM ENFÂSE NO COMPORTAMENTO HUMANO

Autor(a):
Juliana Zilli Bley e Julio Cezar Ferri Turbay

Publicação:

Processo desenvolvido em indústria química situada no RJ (médio porte e nível elevado de risco), no processo de ampliação da unidade industrial. Este programa é parte integrante de um processo de Gerenciamento de Clima e Cultura de Segurança

Resumo – Este artigo tem como objetivo relatar a experiência de um processo de certificação de fornecedores de serviços em manutenção industrial no que diz respeito ao seu nível de Cultura de Segurança realizado por uma indústria química localizada no Rio de Janeiro. O objetivo do processo foi definir critérios de cuidados em prevenção de acidentes e doenças ocupacionais de modo a, de maneira antecipativa, permitir o acesso ao projeto de ampliação da fábrica aqueles prestadores que já possuem mínimo investimento numa cultura de prevenção de acidentes e promoção de saúde dos trabalhadores de suas frentes de trabalho. Participaram do processo psicólogos, técnicos de manutenção, engenheiros de segurança e de manutenção, que realizaram a checagem dos requisitos técnicos e humanos estabelecidos para a certificação. Durante o processo foram avaliadas 5 empresas proponentes de serviços na área de manutenção e destas, 3 foram qualificadas a participar da concorrência pelos serviços necessários à obra da planta.

Garantir mão-de-obra qualificada e excelência nos resultados é desafio antigo da área de manutenção industrial. E este desafio torna-se ainda maior quando outras variáveis como a segurança passam a ser monitoradas e levadas em consideração na avaliação da qualidade dos serviços prestados pelas empresas que terceirizam processos de manutenção. Além dos requisitos legais e dos sistemas de gestão implantados, outros aspectos como a cultura e o clima da organização, os níveis de percepção de riscos e os comportamentos de risco observados também interferem (e muitas vezes determinam) a ocorrência de incidentes e acidentes na força de trabalho.

Gerenciar os fatores humanos presentes na função segurança da manutenção industrial requer análises e instrumentos que, muitas vezes, escapam às ferramentas legais e normativas. São aspectos de difícil observação e monitoramento em função do seu alto grau de subjetividade e variância. Comportamentos, atitudes, habilidades, competências nem sempre são facilmente evidenciados e os equívocos na sua análise têm sido comuns na realidade industrial brasileira.

Na intenção de agir de forma pró-ativa com relação à contratação de empresas prestadoras de serviços em manutenção para uma indústria química, foi desenvolvido um modelo de Certificação de Cultura de Segurança com o objetivo de avaliar os níveis de segurança da prestadora antes de oficializar o contrato. Além disso, o processo serve como critério na escolha das empresas que assumirão as obras e serviços da referida indústria, uma vez que, para a ela, a segurança dos trabalhadores e do processo é um item prioritário. Outro resultado perseguido por meio da avaliação é a redução de problemas de segurança (como o descumprimento de requisitos básicos e até legais) e de ocorrências de acidentes e incidentes com os profissionais das contratadas. O processo tem como eixo principal os requisitos da OHSAS relativos aos aspectos humanos e gestão de segurança, acrescidos de itens comportamentais entendidos pelo grupo de desenvolvimento da ferramenta como sendo diferenciais para os níveis em SST exigidos pela contratante.

A segurança possui um aspecto importante na cultura de uma empresa. Muitas organizações entendem que a prevenção pode e deve ocupar um espaço central na gestão de seu negócio. Seja por questões legais ou mesmo de responsabilidade social, a prevenção de acidentes e doenças é um desafio que vai além da relação empresa – empregado direto e perpassa por toda a estrutura incluindo os fornecedores e aqueles trabalhadores denominados de terceirizados e, em algumas vezes, até mesmo os “quarteirizados”.

Para que esse desafio tenha um resultado válido para todas as partes interessadas as empresas lançam mão de várias ações que possam auxiliar, como é o caso de treinamentos específicos ou de integração, procedimentos de segurança, melhoria de condições, e outras ações. O processo de certificação é mais um fator que contribui para isso. Ao olhar uma organização para além de seus elementos técnicos, mas levando em consideração as suas sistemáticas de trabalho, o envolvimento da Alta administração e os seus demais valores e atitudes frente ao trabalhador, a escolha de uma empresa pode tornar-se mais precisa e permite ao contratante demonstrar qual é o padrão que espera quanto ao nível de segurança praticado por seus fornecedores.

Uma alternativa viável e pró-ativa para o gerenciamento dos níveis de segurança das empresas prestadoras de serviço em manutenção industrial é a “certificações de fornecedores”. Trata-se do estabelecimento de critérios mínimos que devem ser adotados pelas empresas que se disponibilizam a prestar serviços em manutenção e que demonstrem seu compromisso e responsabilidade para com a segurança de sua força de trabalho e de seus processos. “Auditar” os níveis de segurança praticados pelas empresas prestadoras de serviço antes de sua contratação permite às empresas contratantes reduzir a probabilidade de problemas com o nível de cuidados praticados no interior de suas unidades industriais.

No caso aqui descrito, de uma indústria química que optou por “certificar” as empresas candidatas a prestar serviços de manutenção no projeto de ampliação de sua unidade, uma comissão formada por psicólogos, engenheiros e técnicos de manutenção realizou visitas às plantas industriais nas quais as empresas candidatas prestam serviços para verificar aspectos técnicos mas, principalmente, aspectos de clima e cultura de segurança.

O processo de certificação contempla entrevistas com dirigentes e empregados, observações comportamentais, checagem de documentos relacionados com capacitação e treinamento para segurança, gestão, análise de ocorrências e de condições de trabalho. Utilizou-se para tanto alguns dos critérios propostos pela OSHA (U.S. Departament of Labor, 2001). Esta proposta visa identificar aspectos significativos do sistema de gestão nas seguintes áreas:

  1. Gestão

1.1 Alta administração:

Nível de participação da Alta Administração nos aspectos relacionados à segurança e saúde dos trabalhadores.

1.2 Participação dos empregados:

Participação dos empregados nas questões relacionadas à segurança e saúde na empresa.

1.3 Implementação:

Implementação envolve ferramentas e diretrizes fornecidas pela gestão como: orçamento, disseminação de informação, recursos humanos, treinamento, estatísticas e procedimentos.

1.4 Segurança dos terceiros:

Como o programa de segurança insere e facilita a participação de terceiros.

1.5 Análise de riscos:

Avalia a existência de um programa efetivo de identificação e controle de riscos e perigos.

1.6 Inspeções:

Ferramentas e sistemáticas de inspeção de segurança utilizadas pela empresa.

1.7 Relatório de condições:

Existência de um programa efetivo de investigação de acidentes, incidentes e perdas que contenha uma análise das causas e um plano de ações para a prevenção de futuras ocorrências.

  1. Análise de ocorrências:

2.1 Análise de dados:

Existência de um programa de análise constante de dados, de criação e identificação de indicadores relacionados à saúde e segurança dos trabalhadores, bem como utilizá-los como fonte de aprendizagem e prevenção.

2.2 Investigação de acidentes:

Existência de um programa efetivo de investigação de acidentes, incidentes e perdas que contenha uma análise das causas e um plano de ações para a prevenção de futuras ocorrências.

  1. Resposta a emergências:

3.1 Plano de emergência:

Existência de um programa apropriado que contemple as ações que devem ser tomadas pelos empregados em situações de emergência.

3.2 Primeiros Socorros:

Existência de um plano de atendimento para toda ocorrência envolvendo pessoas dentro da organização.

  1. Treinamento

4.1 Treinamento

Nível de qualidade do treinamento e envolvimento dos responsáveis com o levantamento de necessidades e identificações de aspectos a serem treinados na empresa.

  1. Observação Comportamental

Esta ação foi realizada durante uma hora nos locais de trabalho e utilizou como critérios de observação os seguintes itens:

– Utilização de EPI

– Postura de trabalho

– Organização do local de trabalho

– Comportamentos de risco evaporativos

– Utilização de ferramentas e equipamentos

– Normas e procedimentos

Para o processo de certificação foram treinados profissionais de dentro da empresa de áreas diversas. Entre os participantes estavam: a Engenheira de Segurança, Coordenador da Manutenção, Supervisor de produção e um especialista em instrumentação. Além destes profissionais o psicólogo que realizou o treinamento da equipe acompanhou todas as visitas de certificação.

O desafio de manter padrões de segurança por empresas prestadoras de serviço de manutenção deve ser um esforço conjunto de fornecedores e clientes. Com esse processo pretende-se minimizar o impacto da entrada do prestador nos indicadores de segurança da empresa mas, acima de tudo, garantir que os trabalhadores da empresa tenham mínimas condições de saúde e segurança.

Resultados

Na tabela a seguir apresentam-se os resultados com os principais comentários identificados durante o processo de vistas:

Tabela 1 – Empresas prestadoras que foram submetidas ao processo e seus respectivos resultados.

Empresa 

Pontuação 

 Comentários  

Classificação 

1 

 1,37  

– Baixo envolvimento com as questões de segurança.  

Não qualificada 

2 

2,45 

– Oportunidades de melhoria evidentes no sistema de gestão. 
– Reativos com sugestões.  

Não qualificada 

3 

2,67  

– Empresa com bom envolvimento por parte da alta administração. 
– Necessita mais consistência nas práticas de campo. O que tem na teoria ser aplicado na prática. 
– Faltou ver frentes de trabalho. 

Qualificada 

4 

 2,70  

– Apresentou um bom sistema de gestão. 
– Problemas evidentes em relação à utilização de Epi’s e organização do local de trabalho.  

Qualificada 

5 

2,87  

– Apresentou um sistema de gestão bastante consistente. 
– Melhoria na questão de utilização de Epi’s. 
– Precisa deixar mais consistente algumas práticas em campo (por exemplo a leitura e absorção da IT) . 

Qualificada 

 

** Ficou definido como diretriz por parte da diretoria da empresa que as proponentes que não atingissem o valor mínimo de 2,5 não estariam qualificadas para continuar no processo de tomada de preço. 

Conclusões

Percebeu-se que as empresas que obtiveram os melhores resultados foram aquelas que examinaram os critérios estabelecidos pela contratante e que já investiam nos seus níveis de segurança (critérios foram enviados com uma semana de antecedência da visita da comissão). Tal fato pode ser indicativo da falta de preparo, por parte das empresas candidatas, para este tipo de checagem e de exigência.

Devido ao fato das empresas candidatas possuírem muitas frentes de atuação (atuam em diferentes clientes ao mesmo tempo) percebeu-se uma grande dificuldade de se obter evidências objetivas da participação da Alta Administração no processo de segurança da empresa.

A verificação de campo permitiu concluir que a disseminação de procedimentos e práticas de prevenção possui evidentes oportunidades de melhoria. Houve alta incidência de incoerência entre o que se escreve (procedimento, política de segurança) e o que se faz (práticas de campo), gerando lacunas.

Por se tratar de uma ação de clima e cultura de segurança, isto é, baseada numa visão humana da segurança, percebe-se que o foco técnico que muitas empresas empregam cria uma importante lacuna no sistema de gestão de pessoas para a segurança.

Dentre as empresas participantes, a receptividade de seus integrantes caracterizou-se por positiva e a iniciativa desse processo de certificação foi qualificada por importante. Uma das maiores dificuldades identificadas foi a de “auditar” uma empresa dentro da área industrial de seu cliente, o que gerou algumas dificuldades como: entrada dos auditores na empresa, identificar frentes de trabalho disponíveis, entre outros.

A principal conclusão obtida é que este processo pode auxiliar a todas as partes interessadas, pois permite realizar uma contratação mais pormenorizada e precisa por parte do cliente e de certa forma exige que as futuras empresas a serem contratadas antecipem-se a essas exigências atuando de maneira realmente previdente, desenvolvendo e aperfeiçoando sua cultura de segurança e praticando o cuidado e o respeito com a vida humana.

Espera-se que o prévio conhecimento da cultura de segurança das empresas de manutenção industrial deflagre um processo de incremento dos investimentos em prevenção praticados por elas e a minimização dos impactos da terceirização de mão-de-obra sobre a qualidade de vida e a saúde dos trabalhadores (próprios e contratados) e sobre a sustentabilidade organizações contratantes.

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